domingo, agosto 15, 2010

Solidão (2ª parte)


Estava decidido a não desistir, foi o que aprendera em sua epifania debaixo de água e temor. Agora chegara a um ambiente centenas de vezes mais confortável, quente e familiar, um lugar onde poderia agir. Fechou a porta, estava escuro. O cheiro de móvel novo invadiu suas narinas e lhe sugeriu que algo estava errado. Tateou a parede à sua esquerda, à procura de um interruptor. Não o achou. O medo voltara ao seu corpo e, neste momento, houve uma mistura química de hormônios tão poderosa em seu sangue que parecia que ia explodir a qualquer momento. Não sabia mais o que sentir, a confiança estava feito um fio de teia de aranha, prestes a se romper.
Não ouvia ruído. De um certo modo era bom não sentir presença alguma, pois a sensação de solidão no meio do medo era muito aconchegante. Nunca fora muito chegado a companhias, a infância foi muito solitária. Não gostava de conversar com quem quer que fosse e eram raros os momentos em que era visto sorrindo. Isso durou 15 anos de sua vida. No segundo grau, conheceu-a. Ah, era encantadora! Sua voz de veludo, seus cabelos castanhos em suaves ondulações que desciam-lhe pelos ombros até a altura da cintura, o rosto redondo e as envolventes e enormes íris cor esmeralda. Com ela, conversava. Com ela, sorria. A ela, amava. E era visível a retribuição dela, tão carinhosa, tão atenciosa, verdadeiramente um grande coração. E partiram para a faculdade de psicologia juntos. Namoravam a 6 anos, quando finalmente veio o pedido. E ficaram felizes. E ficaram grávidos. Duas meninas de uma só vez, mas estavam preparados. Mas conheceu o cigarro. E depois de conhecê-lo, foi praticamente impossível largá-lo. Ficou incapacitado de atender pacientes por mais de dois anos, pois o vício o dominou. Adoeceu e já esteve até à beira da morte, sua mente, insana, delirando. Recuperou-se aos poucos, podendo finalmente voltar às atividades. Mas já não era o mesmo psicólogo que, junto com sua mulher, era considerado o melhor do estado. Era perturbado, não prestava atenção nas declarações dos pacientes e diagnosticava erroneamente. Escapar da morte fora uma experiência traumatizante, e não feliz, como poderia ser para muitos. Já tinha seus 37 anos, cabelos precocemente grisalhos por causa do stress ao qual fora submetido, enquanto sua mulher parecia cada dia mais bela, cada dia mais jovem, cada dia mais feliz.
Deu alguns passos em direção ao centro da sala. Seus sapatos tocaram um tapete fofo, possivelmente impecavelmente branco pelo cuidado desferido por sua mulher, que fazia questão de deixar a casa inteira um brinco. Agora lembrava, "o interruptor está do outro lado". Voltou até a porta e pressionou o que, após alguns segundos de ter percebido o que fizera, desejou nunca ter pressionado. Virou-se e deu de cara com a sala praticamente destruída, móveis tombados, a estante da televisão caída no chão, uma completa bagunça, que sua mulher jamais permitiria. No tapete, a pouquíssimos centímetros de onde havia pisado há alguns segundos, havia um amontoado das almofadas preferidas da mulher, juntamente com livros, revistas, seu cinzeiro e o aparelho de DVD, destroçado. Aparentemente, nada fora roubado, mas ainda não checara tudo.
Passando sobre os móveis derrubados, chegou à passagem para a cozinha. Estava igualmente revirada, mas mais suja. A geladeira estava aberta, e a maioria dos alimentos, jogados no chão. Mas, como na sala, nada havia sido retirado de lá. A tensão crescia em seu corpo. Seus músculos enrijeceram e, de repente, a ideia que havia em sua mente desmoronou como barranco em dia de enchente. Aquilo que mais temia, aquilo que, com a esperança do plano, tinha esquecido, tornou-se sua realidade mais sombria e cruel. Desejava ter a mulher ali do lado para lhe ajudar a pensar, mas sabia que não poderia contar com ela por perto. E sabia o porquê. Mas isso era a menor parte de seus problemas. Tinha que conferir. Tinha que subir as escadas e verificar com seus próprios olhos aquilo que, embora desejasse desacreditar, tinha por absoluto havia mais de mês.

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