segunda-feira, abril 11, 2011

O que eu sempre quis


Você sempre quis ser medico? Modelo? Ou quem sabe astronauta?
Eu sempre quis amar.
Ponto.
Eu cresci assistindo à pessoas vivendo amores vãos e concentrando-me em toda a intensidade que eu sonhava para a minha vida. Guardei o meu melhor trancafiado em algum lugar no meu peito. Tão bem guardado que cheguei a pensar que o tivesse perdido, extraviado-o em algum cais. Existiram sim – algumas – pessoas que provocaram e que mereceram conhecer o que havia de tão conservado, mas, não sei porque, não as dei tempo para isso.
Não costumava procurar, apenas me deixava ser encontrada. Salvo durante experiências falhas, era eu me encantar para estar aberta à uma nova tentativa. Tá que me encantar não é lá muito fácil né, eu sei…
Eu queria um amor que me tomasse o ar num só golpe, que me fizesse enrubescer pelo simples ato de fitá-lo, eu queria um amor que me aquecesse o coração, que provocasse uma imensa vontade de gritar para que o resto do mundo me chamasse de louca. Pouco importava. Que bagunçasse minha casa, minha vida, meus cabelos. Alguém que me fizesse mudar o rumo, ou simplesmente perdê-lo. E, no fim do dia, queria um abraço que fosse capaz de acalmar toda essa insanidade que corria pelas minhas veias. Eu só queria amar.
Precisava de alguém que tomasse conta de mim e dos mais puros sentimentos que eu já tivera. Queria um amor desesperadamente estável.
E eu sempre soube que conseguiria.
Jenny Emilly Bachinshi

sexta-feira, abril 08, 2011

Conversas de ônibus II

"Para falar, basta abrir a boca. Para ouvir, é necessário abrir o coração."

- É sempre assim! Cada vez que subo, aumenta um pouco... É impossível confiar no transporte público hoje em dia!
E constantemente confiava seu discurso a uma dúzia de pessoas já estressadas do fatigante dia de segunda, dia em que Senhor Alberto usualmente pegava o 370A para ir ao trabalho, pois sua filha, quem geralmente o levava, era professora e justamente às segundas estava no trabalho aquela hora. Senhor Alberto era vigia noturno de uma galeria de lojas no centro da cidade há 25 anos. Seus mal vividos cinquenta e tantos anos já não aguentavam o peso de uma viagem de sua casa, localizada na periferia, até o seu local de trabalho, onde teria que varar até pelo menos meia noite de pé e mais o percurso para casa, sem dormir. Apesar disso, seu trabalho não exigia muito. Tinha apenas que ficar rodeando a galeria, procurando por algum movimento irregular de invasão. A galeria, que nem de dia era muito visitada por consumidores, nunca teve boletim de roubo. Obviamente não graças a Sr. Alberto, que realmente não dava a mínima para alguém assaltar as lojas.
Sentou-se bem perto da saída, como costumava fazer, para evitar qualquer desconforto de ter que passar no meio da multidão para desembarcar. Era viúvo, sua mulher teve pré-eclâmpsia, então sua filha nasceu prematura, mas sua mulher não conseguiu ser salva. Após este ocorrido, chorou durante 11 dias, e depois disso, nunca mais sorriu. Passou a reclamar dia e noite, de tudo o que via, sentia ou percebia. Quando alcançou os 50 anos, sua mente já não estava no melhor estado, e começava a reclamar até de coisas inexistentes. Acostumou-se muito facilmente a viver miseravelmente, não que possuísse poucos recursos financeiros. Nem muitos. Vivia bem, mas tudo era questão de reclamações, xingamentos e lamúrias.
Ao entrar na Avenida Dom João VI, um denso nevoeiro baixou, e o motorista do ônibus reduziu vertiginosamente a velocidade. Literalmente, não dava pra ver nem os carros ao lado do transporte, e Sr. Alberto deixou escapar um sonoro "Só me faltava esta agora". De repente, o ônibus para. Agora não só Sr. Alberto, como alguns outros passageiros também gritaram frases do tipo "que aconteceu?", "porque paramos?", "anda logo, motorista!", mas ele disse que o ônibus não podia mais continuar, tinha quebrado. Abriu as portas de saída e a neblina pareceu água que enxurrou dentro do ônibus. Sr. Alberto lutou para achar os degraus, já murmurando palavras de baixo calão. Quando chegou ao último degrau, aconteceram várias coisas, muito rapidamente. Um vento forte e frio bateu ao rosto dele, que era o primeiro a conseguir a alcançar a saída, e tremeu. Não era o frio que lhe atingira, era sim um tremor involuntário, mas imperceptível para os outros passageiros. Em seguida, não via nem neblina, nem ônibus, nem nada. Era uma luz branca que invadiu sua fronte, como um flash de câmera fotográfica. Com essa inesperada intervenção, subiu um degrau pra trás, e parece que os outros passageiros também tinham visto a luz, pois não sentiu ninguém atrás dele. O ônibus começou a tremer, mas era porque ele tinha voltado a funcionar, e quando os passageiros puderam abrir os olhos depois da momentânea cegueira, a neblina havia sumido. Todos ficaram estagnados, surpresos pela cena, mas logo voltaram para os seus lugares, pois o motorista deu a partida, sem mais uma palavra. O  mais surpreso era Sr. Alberto, que fez uma metamorfose do rosto: a expressão rabugenta e fechada deu lugar a uma cara espantada, perturbada e confusa. Era visível que não foi somente a cena que o deixou pasmo, mas era impossível detectar qual a outra fonte de sua perplexidade.
No outro dia, excepcionalmente subiu no 370A, pois sua filha estava passando mal, e tinha ficado junto com o marido. Parecia que Sr. Alberto já havia esquecido da cena do dia anterior, e logo voltou a rabugentar. Disse palavras de extremo egoísmo para a filha e saiu de casa maldizendo a ela, ao marido e a quem mais estivesse pelo caminho. Chegou perto da catraca, pegou o dinheiro e, ao estendê-lo de muita má vontade ao cobrador, uma moeda caiu no chão. Foi a gota d'água para ele começar a reclamar e xingar. Um passageiro que estava dentro do ônibus já se ofereceu para recolher a moeda e entregar a seu dono, mas Sr. Alberto recusou. Abaixou, pegou a moeda e, ao levantar, bateu a cabeça na catraca. O grito que deu não foi de dor, mas de muita raiva. Entregou logo o dinheiro ao cobrador e foi sentar-se. Ao fazê-lo, descobriu que o banco estava solto, e quase tomba para o chão.
- Que quinquilharia este ônibus! Não se pode confiar mesmo no trans...
E, antes de terminar a frase, o ônibus freou bruscamente, jogando Sr. Alberto, que estava de pé e sem segurar em nada, pra frente, fazendo-o bater a boca em um dos postes da frente. Agora ele realmente ficou irritado, e o sangue lhe escorria da boca. Os passageiros ficaram preocupados e se ofereceram para ajudar, mas ele fez todos se afastarem dele, e sentou em um banco isolado. Chegando ao trabalho, vestiu o uniforme e encontrou com seu encarregado, que repetiu-lhe todas as instruções, que ouvia todas as noites.
- Pode deixar... Já estou careca de saber disso, não precisa repetir mais.
- Tudo bem, Alberto, mas preciso zelar pela segurança.
- Que segurança? Ninguém vai entrar aqui!
E vendo a ignorância de Sr. Alberto, o encarregado não disse mais qualquer palavra, e saiu. Frustrado com tudo o que estava acontecendo com ele no dia, suspirou, coçou a cabeça e viu que algo estava errado. Quando voltou com a mão da cabeça, vieram junto com ela diversos tufos de cabelo. Ele achou estranho, mas já estava mesmo na idade de perder cabelos. A esta hora o lugar estava todo vazio. Começou a vagar pela galeria, e percebeu que algo o estava incomodando. Parecia que seus ombros estavam sujos. Deu uns tapinhas para limpá-lo, e percebeu que eram mais fios de cabelo. Agora intrigou-se. Passou a mão pela cabeça e mais fios se soltaram. Mais, mais, cada vez mais. Sr. Alberto estava desesperado. Nunca havia dado sinal algum de calvície, mas agora estava perdendo todos os seus cabelos do nada. Enquanto estava ocupado com os fios que lhe caíam, ouviu um barulho metálico forte. Estacou e logo pegou na lanterna. Virou-se para ver melhor, mas nada se movia. Estava com medo. Nunca tinha ouvido sequer um grilo na galeria. E a lanterna não funcionava. Foi se aproximando cautelosamente da fonte do ruído, mas seus sapatos em contato com o solo, produziam um estalado que o denunciou. Um vulto apareceu na sua frente, e parecia estar com o braço estendido na direção de Sr. Alberto.
- Velho, volte e suma. Você não viu nada.
Não pensou duas vezes. Saiu correndo. Percebeu o leve contorno de um cano de metal apontado em sua direção. Subiu logo no primeiro ônibus que passou pelo ponto, não queria permanecer ali mais nem um minuto. Chegando em casa, soube por meio de um recado que sua filha foi levada para o hospital, porque tivera uma febre altíssima, e o marido estava acompanhando. A despeito da recente invasão, continuou a reclamar "Ah, deve ser só frescura... Ela está com um resfriadinho e fazendo drama...". Segundos após dizer esta frase, o telefone tocou. Era seu genro.
- Senhor Alberto, por favor, você pode vir ao Hospital Santa Mônica? - Disse, com uma voz soluçante.
- Porque? O que aconteceu?
- Por favor, Senhor Alberto, venha para o Hospital...
- Quero saber o que aconteceu! - Já estava nervoso com a enrolação do rapaz.
- A sua filha morreu! - E não conseguiu dizer mais nada, apenas desabou no choro e desligou o telefone.
Sr. Alberto não conseguiu pensar mais em nada. Ficou ali parado com o telefone na mão. Pegou as chaves e saiu. Ele mesmo pegou o carro, o que há anos não fazia e encaminhou para o Hospital. No caminho, também desatou a chorar. Disse a si mesmo "Porque fui tão ignorante com ela? Fui um péssimo pai... Queria ir junto com ela!".
Ao chegar na Avenida Dom João VI, a neblina misteriosa do outro dia desceu novamente. E era noite. O entorno ficou puro breu. A não ser por duas luzes que vinham em sentido contrário. Sr. Alberto então entendeu. A neblina, o vento, o flash.
Acelerou. E as luzes foram se aproximando. Uma última vez reclamou:
- É, não se pode confiar no transporte público hoje em dia!

segunda-feira, abril 04, 2011

Conversas de ônibus I


"A ignorância é tua melhor amiga. Acostuma-te com ela ou sofra as consequências."

E lá estava ele... Sobriamente vestido, com ar imponente, tentando não prestar atenção na iminente lotação do 425, sentido Leste. Subiu alguns pontos após o terminal, portanto, conseguiu sentar-se ao lado da janela, como gostava de fazer. Mas sabia que logo teria que levantar, pois seu ponto de descida era logo após o centro, o lugar onde o ônibus geralmente ficava igual a uma lata de sardinha, então, permanecer sentado era uma má opção. Mas apreciava a paisagem, sem perder a integridade de homem sério. Fazia frio.
Virando logo à Alameda do Oratório, uma moça bem vestida deu sinal. Cabelos ruivos, óculos de arame fino, cachecol xadrez em preto e branco, sobretudo preto, combinando com uma charmosa bota de couro. Aparentava ter entre 20 e 25 anos. Subiu os degraus com delicadeza, cumprimentou o motorista e o cobrador, pareciam ser conhecidos, embora ele nunca a tivesse visto subindo neste ponto. Passou o cartão na catraca e foi. O ônibus estava realmente com pouquíssimas pessoas, em média, umas 8 ou 9, mas ela veio justamente para o ponto onde ele estava sentado. Sentou-se bem atrás dele. Tantos lugares vagos, ela foi escolher justo aquele. Incomodava-lhe a presença de estranhos tão perto assim. Mas ela aparentemente era tão suave, delicada e bela (sim, era extremamente bela) que resolveu deixar o incômodo de lado e apreciar a paisagem.
Ainda estava longe do centro, quando, de repente, ouviu uma doce e tranquila voz ao seu ouvido, vinda de trás:
- Posso sentar-me com o senhor?
Surpreso com a pergunta e com sua fonte, apenas conseguiu pensar em uma palavra:
- Porque?
- Ah, estou com muito frio. Talvez sentando ao teu lado amenize um pouco.
Parou um pouco para pensar. Ninguém pede para sentar-se ao lado de ninguém no ônibus do nada. Mas de algum jeito, aquela voz, aquele perfume suave e talvez aquela simpatia toda o contagiaram. Era um tanto confortável tê-la por perto.
- Tudo bem, por que não?
E sentou-se. Quando encostou suas costas no espaldar do banco, virou graciosamente o rosto na direção dele e desferiu um amplo sorriso, que supriu todas as necessidades que o momento pedia de um simples "obrigada". Ele retribuiu com um sorriso pequeno, tímido. Ele tentou retornar sua atenção para a "interessante" paisagem, mas a moça ficou encarando-o. Mais do que a presença de pessoas estranhas, ele não suportava a ideia de pessoas estranhas o encarando. Ela perguntou:
- Você trabalha com marketing?
Ele achou estranho alguém puxar conversa com ele, justamente com ele, que sempre ficava quieto em seu canto no ônibus... Mas educadamente, respondeu:
- Não, na verdade sou produtor cultural. - Achando estranho de si mesmo a sinceridade e a voluntariedade de contar detalhes de sua vida.
- Ah, que interessante! Então é você quem cuida de arranjar espaços para shows e eventos?
- Sim, além de toda a parte burocrática, segurança e inovação...
E curiosamente, mantiveram a conversa. Ele já não estava prestando atenção na janela suja, e ela estava com o olhar brilhante como o de uma criança que ganha um presente de Natal. Ela estava muito animada para uma manhã fria de Julho. Ela o fez sentir que sua vida era interessante, mesmo para uma garota tão jovem. E, além de seu interesse, seu perfume e sua voz intrigada e delicada o incentivaram a soltar a língua e perder a timidez. Respondeu a tudo o que ela perguntava, e ria junto com ela sobre assuntos inúteis, mas que lhe fizeram a felicidade naquela manhã.
Passado muito tempo de conversa, ela finalmente falou:
- Ah, aqui é meu ponto. Se importa se eu me for?
- Cara senhorita, não te deixarei ir sozinha, descerei junto!
Já havia passado há tempos o ponto do homem, mas ele nem notou e nem se importou quando desceu. Também não havia notado que o ônibus já estava em seu caminho de volta, pela Alameda do Oratório, onde a garota subira.
No dia seguinte, novamente na Alameda, a garota subiu no ônibus e perguntou para o cobrador:
- Aquele senhor com quem estava conversando ontem, onde está?
- Não sei, também achei estranho ele não subir hoje.
Ela passou o cartão e entrou no corredor do ônibus. Viu um rapaz cabisbaixo sentado no fundo do ônibus.
- Posso sentar-me contigo?
E um sorriso se abriu.