sábado, dezembro 18, 2010

Além da imaginação


- Obrigado, doutor. Até a próxima.
- Espero que não uma próxima consulta, hein? Quero que você não precise mais vir até aqui.
- Eu também espero.

E saí. Com a consciência mais leve, com o corpo pesando menos e, principalmente, com a cabeça refrescada. Nunca me senti tão bem em toda a minha vida, que aliás, até aquele momento tinha sido apenas de tormento. Mas a felicidade finalmente tomou conta de mim. Nem sei se podia chamar isto de felicidade, afinal, nunca tinha sentido-a para saber o que é, mas sei que me sentia bem comigo mesmo, e nem mesmo os fantasmas do meu passado poderiam tirar-me o sono. Mas quem disse que queria dormir? Queria era aproveitar a vida, já que eu acabei de ter a certeza que a tinha, e a tinha com todo o orgulho e com toda a plenitude. Não é necessário nem dizer minha idade, pois este sentimento me faz tornar criança novamente. Não tenho certeza quanto tempo isso vai durar, mas espero que dure o suficiente para eu achar que é para sempre. Mas nada é para sempre, não é? Pisei fora da clínica e me veio uma brisa quente, abrasadora, nada confortável para um dia de verão como aqueles. Fechei os olhos por causa da poeira que vinha junto com a brisa, pudera eu não fazer isso! Abri os olhos e ninguém, nem nada contemplava meu sentimento, que vertiginosamente decresceu. Era como se ao invés de uma brisa quente tivessem jogado um balde de gelo em meu corpo nu. Encolhi-me, por saber o que viria pela frente, e não seria algo que traria de volta meu momento sublime. Como disse, ninguém estava no meu campo de visão e sabia que mesmo se voltasse para onde acabara de sair, não iria encontrar sequer meu psiquiatra. Já estava familiarizado com esta visão deserta, mas neste momento me assustava mais do que antes, algo estava diferente, definitivamente diferente. Mesmo em estado de choque, não voltei para a clínica tentando desfazer o passo errado que dei, nem fiquei estacado no chão, muito menos saí correndo em desespero. Coloquei as mãos nos bolsos, inutilmente, virei à esquerda e comecei a andar, calmamente, assoviando minha música preferida. Podia fazer o que quisesse, já que não havia ninguém para me observar. Mas apenas andei, como se em um dos mais normais dias, o que realmente era para mim. Andei três quarteirões até o sobrado amarelo que estava tão inconscientemente gravado na minha mente, pelo exagerado tempo em que convivi ali. Mas agora era hora de achar uma solução. Se o coração ainda estava batendo, significava que ainda havia alguma chance. O pensamento era escapar, correr, fugir o mais rápido possível. Mas é incrível que quando se há uma certeza na cabeça, e ninguém está presente para te impedir ou soltar qualquer ruído para te fazer pensar, o escapismo é que foge de você. Agora era isso que me importava, o encontro com os fantasmas do meu passado, e a resolução de meus débitos com eles. Creio que algo simples basta. Nada de espetáculo, minha vida até hoje foi monótona, porque justamente agora seria diferente? Mas estava diferente. O ar, a brisa quente que me bateu à face, o silêncio, até o eco de meus passos pelo jardim estava diferente. Agora sim tinha certeza. Abri a porta, acendi a luz e me encaminhei diretamente para o andar superior. Não havia porque fechar a porta, não havia sequer uma alma viva para invadi-la. Passei a mão em algo no caminho e levei-o comigo. Não sabia exatamente o que era, mas sei que era pesado o suficiente. Subi e entrei. Era exatamente como lembrava, cada centímetro. Guardava tudo como estava exatamente para este momento, para a grandiosidade sigilosa. Deitei na cama confortável e respirei o conforto que a volta me causava. Mas aquele momento não era de conforto, era de ação. Mas não precisava levantar da cama... Quem disse que a vida só é miséria? Todos tem direito de se sentir confortável pelo menos uma vez na vida. Que seja esta a vez. Apenas um movimento, um simples e convicto movimento. Bastava para mim. Levantei-o. Posicionei-o. Deixei a gravidade atuar junto com a força do meu braço. E as pessoas voltaram a aparecer. E o mundo estava de volta ao normal, sem mim.

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