domingo, setembro 12, 2010

Ao esmo

Sonho com palavras. Palavras que voam e se juntam, sozinhas, sem lápis que as carreguem ou borrachas que as reprimem. Palavras livres, descomprometidas e felizes, palavaras com sede de conhecimento, mas que já possuem todo o conhecimento possível. Palavras pequenas, grandes, divididas, acentuadas, inconjugáveis, verbais, conectivas ou subordinativas, todas convivendo harmonicamente em suas sentenças. Palavras com sentido, palavras neológicas, palavras retóricas e interrogativas, palavras de amor, ódio, tristeza e felicidade juntas formando uma frase definitiva.
Sonho com frases. Frases que me fazem pensar, refletir, convergir. Frases que em minha cabeça e em meus sonhos, tornam-se versos, e esses tornam-se poesia, declamada, cantada ou trovada. Poesia que enche meus pulmões e que, na expiração, é substituída por sentimento, que percorre meu sangue. Frases completas ou reticentes, mas sempre juntas, uma seguindo-se da outra, numa extensa corrente de sabedoria e deleite. Juntas para proferir o bem ou o mal, mas juntas, sempre em reunião paragrafal inexorável.
Sonho com parágrafos. Com a forma livre, com o bem querer de cada linha que os formam e não limitando-se a bordas de página, mas sim, extravazando as fronteiras de minha mente, e que esta não sirva apenas de refratário, mas sim, de espelho, para disseminar a verdadeira poesia contida nestas estrofes, e, para que, ao encontrar outro espelho e mirar-me de fronte a ele, multiplique infinitamente a imagem das letras, palavras e frases reunidas, como se todas estivessem grudadas a mim e me guiassem para um abismo literal e literário.
Sonambulismo domina-me agora. E sei que será minha última aventura inconsciente e, talvez, o consciente já não exista mais. Pois sei que estas palavras não são minhas, pelo menos não quando estou acordado. Mas ainda espero poder permanecer neste estado tão somente mnemônico, no qual apenas aplico o que sei e o que aprendi e deixo as palavras falarem por mim, justamente por não ter o que dizer.
Sou utopista, pois sou poeta. E como tal, sonho em não ter que usar as palavras para me expressar, mas sim as palavras me usarem para se iluminar!

domingo, agosto 22, 2010

Mais pesado que o céu

Seus pais não eram como ele. Aliás, ninguém era. Ninguém o compreendia, muito menos entendiam sua mente cheia de devaneios, desejos e um incontrolável anseio de mudar. O mundo? Não, o mundo era muito para ele, pois não o conhecia. Desde criança queria algo pra si mesmo, algo que poderia chamar de seu, apenas seu.
Assistiu com pesar o divórcio de seus pais, aos 8 anos e, desde então, sua vida tornou-se um tornado eterno. Sorrir era algo muito presunçoso para seu tipo sombrio, queria manter-se oculto e o rosto melancólico e fechado tornou-se uma máscara para que ninguém possa reconhecê-lo. Mas a máscara não mudou, e sua face tornou-se conhecida.
Ainda jovem, conheceu um rapaz que lhe ajudou muito a tentar entender a si mesmo. Foi morar junto com ele, já que não tinha mais casa fixa. Os pais do rapaz eram extremamente religiosos, e o jovem conheceu um ser grandioso, piedoso e amoroso. Encantou-se de início, mas acabou conhecendo outras crenças orientais, que lhe surpreenderam, pela medida da compatibilidade com seus desejos. Libertar-se da dor e do sofrimento mundanos, elevar-se a um plano superior. Essas ideias levaram-lhe a dar asas ao seu ser artístico.
Mantinha seu diário sempre ao seu lado, com suas caprichadas caricaturas de personagens famosos da época e seus poemas. Frases revoltadas ecoavam em cada página, até que, por um desentendimento entre ele e seus pais, acabou expulso de ambas as casas, e passou a procurar abrigo nas casas dos amigos e até passou alguns dias debaixo de uma ponte. Mas sua sorte tendia a mudar.
Conheceu amigos que levaram-lhe a vários lugares e que mudaram seu pensamento. Não se importava mais com os estereótipos da sociedade e, mesmo que raramente, esboçava um sorriso. Era apaixonado pela arte em si, mas mantinha um relacionamento íntimo com a música. Desde criança já apresentava dons vocais e instrumentais. Foi quando estes novos amigos levaram-lhe aos concertos. E apaixonou-se, e idealizou, e juntou a fome com a vontade de comer. Juntou dois de seus melhores companheiros e, juntos, disseminaram a arte, a revolta, o utópico mudar, a elevação e o refúgio. E voltara a não sorrir, mas apenas externamente, como uma forma de demonstrar seriedade.
Mas o reconhecimento por sua máscara acabou por destrui-lo. Muitas pessoas apreciavam sua verdadeira poesia, mesmo quando não entendiam o propósito. E lhe enraivecia quando as pessoas não entendiam seu propósito. A raiva era tanta que precisava acalma-la, cessa-la, controla-la. Aprendeu o lado mau da humanidade, conheceu as armas e os narcóticos e, com isso, tornou-se figura de desejo dos policiais. Mas não queria se entregar à loucura, não queria ser conhecido assim. Agora que o mundo estava prestes a conhece-lo, não queria perder sua tão merecida conquista, seu espírito merecia paz.
A paz, que sim, poderia ser só sua, o sonho de toda a sua vida, poderia ser alcançada, se unisse tudo o que lhe fazia escuro e sombrio e, repentinamente, cortasse. Fez seu máximo esforço para sorrir enquanto um grande público o observava, mas tinha esquecido como sorrir. Assumiu que o melhor a fazer era garantir sua paz antes que esquecesse também como amar. E conseguiu, de modo egoísta e solitário, sua elevação, sua libertação, seu nirvana máximo.

sexta-feira, agosto 20, 2010

Beira do abismo


O medo é a única coisa que impede-nos de fazer o que queremos ou de não fazer o que não queremos. É o medo que nos diz como temos que nos comportar, e nada melhor para espantar o medo do que perder o medo de falar tudo. Tudo o que te amola, tudo o que te perturba, tudo o que está dentro de você e quer sair, mas você tem medo de colocá-los para fora. Nada pode ser muito restrito a só uma pessoa, às vezes, quando mais pessoas sabem o que uma pessoa sente, mais essas pessoas irão se entender, se relacionar e mutuamente se ajudar, pois assim caminha a humanidade!
Às vezes penso que a única forma de dissolver o medo é não senti-lo. Isso torna-se um paradoxo inimaginável (com medo do pleonasmo que acabei de usar) quando se está apaixonado.
Nessa situação, um abraço torna-se confortador, aquecedor e até ajuda a dissipar um pouco o medo, mas intimamente o medo só faz crescer e te domina.
E há apenas duas coisas a fazer:

  • Desistir

  • Mergulhar com roupa e tudo


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mas o medo impede-lhe de fazer ambas.