segunda-feira, fevereiro 14, 2011

A Gruta das Luces


- Eu sou um animal.


E dizia isso repetidamente. Embora ninguém lhe desse crédito, todos tinham medo dele. Nas atitudes, era realmente um animal. Don Pablo tinha aquele olhar furioso de um bicho selvagem e andava encolhido, torto, como se preparado para qualquer ataque. Insuportável, com aquela ladainha que não saída de sua boca...

- Eu sou um animal.

Também eram notáveis seus desejos assassinos. Seus olhos enrubesciam e as pupilas dilatavam sempre que olhava para as pessoas de sua vizinhança com quem não ia com a cara. Senhor Alonso que lhe diga. Dia houve em que Don Pablo mordeu-lhe o braço com tanta voracidade que chegou a arrancar-lhe um pedaço da carne. Até hoje senhor Alonso usa um tipo de proteção no antebraço direito, do qual lhe restaram poucos movimentos conscientes. O povo no vilarejo estava começando a acreditar que ele era realmente um animal, e que não pertencia àquela população. Já foi exilado na floresta várias vezes, mas sempre voltava. A cada lua cheia, Don Pablo aparecia na manhã seguinte desmaiado perto da lata de lixo em um beco escuro. Quem sempre o encontrava lá estirado – e fazia questão de esconder este fato de todos – era seu fiel amigo e protetor Miguel Delacqua, ou simplesmente Dela. Dela era um rapaz de baixa estatura, de descendência francesa, com uma cabeleira de notável descuido, mas de bons músculos, ombros largos, que suportavam o peso de seu amigo todas as manhãs. Era um humilde sapateiro do vilarejo, porém todos o conheciam, principalmente por ter contatos próximos com a “Besta”.

Apesar de todos seus contras, Don Pablo era um homem inteligente, o professor do vilarejo, o homem das ciências, dos números e dos mistérios da natureza. Interessava-se pelos fenômenos até então inexplicados, como o brilho prateado fascinante de algumas “pedras” de uma Gruta próxima ou então as queimaduras causadas quando uma pessoa ficava muito tempo em contato com as mesmas. Pessoas chegavam até a morrer, vítimas de um mal que se acreditava ser causado pelas “pedras”, chamadas de Luces. A Gruta das Luces foi bloqueada pela população local, mas mesmo assim, Don Pablo e Dela sempre iam lá fazer suas pesquisas, apesar de não conseguirem ficar mais de 15 minutos dentro da Gruta sem que uma tontura desorientadora lhes dominasse.

Uma lenda local diz que, há muitos anos, um garoto de cerca de 10 anos entrou na Gruta, encantado pelo brilho das pedras, só que nunca mais saiu de lá. Várias tentativas de encontrá-lo já foram feitas, mas até o presente momento, nenhum sucesso. Muitas pessoas dizem que o garoto provavelmente deve ter morrido por causa do efeito das Luces, mas um pequeno grupo de anciãos afirma ter visto um vulto sair da Gruta, algumas semanas depois. O vulto brilhava intensamente. Tão intenso que parecia um reflexo terrestre da Lua, que no céu estava cheia aquele dia. Depois de alguns segundos fora da Gruta sem qualquer movimento, fugiu rapidamente para a floresta, para o meio das densas árvores.

Pablo chegou ao vilarejo alguns anos após o surgimento da lenda, e logo que soube do ocorrido, quis investigar. Ficou amigo do sapateiro que costumava engraxar seus sapatos e o convidou para ajudar-lhe em suas buscas, já que era forte e parecia destemido. Desde então, Pablo e Dela ficam rondando a Gruta das Luces todos os dias. Isso se tornou até obsessão para eles. Pablo ainda era jovem, recentemente terminara os estudos, e era sedento por conhecimento. Tanto que, uma vez, depois de alguns meses de residência no vilarejo e pesquisa na Gruta, com toda a animação proporcionada pela tal descoberta que fizeram aquela noite, Pablo chegou a dispensar a ajuda de Dela, mandou-o para casa, já que era muito tarde, e passou a noite na Gruta. Na manhã seguinte, Dela o encontrou deitado próximo de uma árvore da floresta, com as roupas rasgadas e com o rosto coberto de sangue, porém sem nenhuma ferida. Levou-o para sua casa e deitou-o na cama de armar, que parecia muito desconfortável. Pablo só acordou na manhã seguinte, perguntando a Dela o que tinha acontecido para estar na casa do amigo. Dela agiu como se nada tivesse acontecido, mas sabia que Pablo não estava tão normal quanto aparentava. Estava lhe chamando de Miguel, o que não costumava fazer, deixava o cabelo desarrumado, apesar de ser extremamente vaidoso e engoliu com voracidade o café da manhã mirrado que Dela lhe ofereceu. Mas até o momento, nenhuma grande diferença. Um mês depois, quando era Lua cheia de novo, começaram os sintomas que perduram. O andar, o olhar e a tal frase, que não lhe abandonava.

- Eu sou um animal.

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